Já sabemos que a música é parte integrante de nossas vidas por experiência própria. Muitas vezes, uma determinada melodia traz lágrimas aos olhos, enquanto alguns outros acordes provocam ondas de adrenalina e entusiasmo. Sem falar nos momentos em que a música é companheira ao realizar tarefas como trabalhar, dirigir ou estudar.
Agora, o doutorando Yiren Ren, da Escola de Psicologia do Georgia Institute of Technology (Georgia Tech), nos EUA, transformou essa percepção em tema de pesquisa. O resultado foram dois estudos que exploram os conceitos da música como ferramenta auxiliar de aprendizagem, e também seu poder de remodelar memórias antigas.
“Um artigo analisa como a música muda a qualidade da sua memória quando você a forma pela primeira vez – É sobre aprender”, explica o orientador da pesquisa, Thackery Brown, em comunicado. “Mas o outro estudo centra-se nas memórias que já temos e pergunta se pudermos mudar as emoções ligados a eles por meio da música”, finaliza a neurocientista cognitiva.
Os estudos foram publicados, respectivamente, nas edições de junho e agosto das revistas Neurociência Cognitiva, Afetiva e Comportamental e PLOS Um.
A música é capaz de mudar o humor e remodelar memórias?
Os autores basearam-se na capacidade comprovada da música de envolver regiões cerebrais associadas à emoção, recompensa, motivação e memória autobiográfica. Mas, ao contrário de outras pesquisas em neurociência, eles decidiram investigar se a música pode alterar o conteúdo das memórias. Em outras palavras, é tão poderoso que muda a forma como nos lembramos do nosso passado?
Para testar esta hipótese, um grupo aleatório de 44 estudantes da Georgia Tech ouviu bandas sonoras de filmes enquanto recordavam uma memória difícil, “para ver se a música tem o poder de modular o nível emocional das suas memórias”, explica Ren num comunicado.
O resultado foi mais que positivo: no dia seguinte, ao relembrar aquelas mesmas lembranças desagradáveis, mas sem acompanhamento musical, o tom emocional ainda combinava com o tom da música tocada no dia anterior.
Tudo isso foi monitorado e registrado em tempo real por meio de imagens geradas por ressonância magnética funcional (fMRI). A equipe conseguiu testemunhar não apenas a mudança na atividade cerebral dos participantes, mas também o aumento geral na conectividade entre a amígdala (que processa emoções) e outras áreas cerebrais associadas à memória e à integração de informações.
“Isto esclarece a maleabilidade da memória em resposta à música e o papel poderoso que ela pode desempenhar na alteração das nossas memórias existentes”, conclui Ren.
É possível melhorar o aprendizado com música?
O segundo estudo focou em uma questão ainda polêmica, que é se a música melhora ou prejudica a memória, quando vivenciada ao mesmo tempo em que realizamos atividades diárias como dirigir, trabalhar e, principalmente, estudar. O objetivo aqui, diz Ren, é “sondar o potencial da música como um dispositivo mnemônico que nos ajuda a lembrar informações com mais facilidade”.
Para isso, os 48 participantes do estudo, com idades entre 18 e 24 anos, foram convidados a aprender uma série de formas abstratas enquanto ouviam diferentes tipos de música. Primeiro, Ren tocava uma peça musical em um padrão tradicional ou familiar de tom, ritmo e melodia. Depois repetiu o mesmo conjunto de notas, mas fora de ordem, numa estrutura atonal.
Ao ouvirem músicas familiares e regularmente estruturadas, ou seja, altamente previsíveis, os participantes conseguiram aprender e lembrar sequências mais rapidamente, pois seus cérebros criaram uma espécie de “andaime” ou estrutura para as novas informações. No entanto, tocar a música familiar de forma irregular dificultou o aprendizado dos participantes.
Tentando conciliar os seus talentos como multi-instrumentista e neurocientista, Ren chega à conclusão de que “Estes estudos iniciais revelam que a música pode ajudar ou dificultar a nossa memória, dependendo da sua familiaridade e estrutura”.
Esperando que a próxima fase da investigação possa fornecer informações valiosas para apoiar a criação de intervenções baseadas na música para a saúde mental e a função cognitiva, Ren prevê “terapias musicais” para condições como depressão ou TEPT. A modulação do conteúdo emocional das memórias pode beneficiar os idosos e as pessoas com demência.
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